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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Citação

Há sempre uma primeira vez para tudo. Apesar de já ter sido acusado de plágio nunca o fiz. Contudo aqui vai uma transcrição que me parece pertinente para a "altura sentimental vivida":

" A obstinação amorosa de Viola chocava com a teimosia de Cosimo, se bem que por vezes se desencontrassem. Meu irmão fugia à languidez, às molezas, as pequenas perversidades refinadas: nada lhe agradava para além do que fosse o amor natural.(...) Cosimo, amante insaciável, era simultaneamente um estoíco, um asceta, um puritano. Sempre em busca de felicidade amorosa, continuava todavia sendo inimigo da vontade. Chegava a desconfiar dos beijos, das carícias, dos afagos verbais, de todas as coisas que ofuscassem ou pretendessem substituir-se às saudações da natureza. Foi Viola quem lhe descobriu a exuberância; e com Viola nunca Cosimo conheceu a insatisfação após o amor, essa insatisfação que tantos teólogos predicavam, assim chegou mesmo a escrever sobre este assunto uma carta filosófica a Rousseau. Este, certamente perturbado, não lhe respondeu.
Mas Viola era também uma mulher requintada, caprichosa, viciada, actólica de alma e coração. O amor de Cosimo satisfazia-lhe os sentidos, mas deixava-lhe insatisfeita a fantasia. Por isso as suas súbitas alterações de temperamento e sombrios ressentimentos. mas tudo isto bem pouco durava, tão variada era a vida que levavam e o mundo que os rodeava.
Cansados, procuravam refugio escondidos sobre as árvores de copa mais frondosa: ramarias que lhes envolviamos corpos como folha que os embrulhasse, pavilhões suspensos, como panejamentos que ondeavam ao vento, ou colchões de penas. Neste pequenos pormenores se explicava o génio de Viola: onde quer que se encontrasse, a marquesa tinha o dom de criar em torno de si abastança, luxo e uma complicada comodidade; complicada à vista mas que ela obtinha como miraculosa facilidade, porque tinha o dom de tornar realidade todas as coisas que pretendia, ainda que a todo o custo.(...) Naquela altura iam-se descobrindo um ao outro, contando mutuamente as suas vidas, interrogando-se.
- E sentias-te só?
- Faltavas-me tu.
- Mas pergunto-me se te sentias só, não em relação a mim, mas ao resto do mundo?
- Não. Porquê? Tinha sempre qualquer coisa a fazer com os outros: colhi fruta, podei, estudei filisofia com o abade, bati-me com piratas. Não acontece o Mesmo na vida de toda a gente?
- Não. Só tu és assim, e por isso te amo.

Mas o barão ainda não tinha compreendido bem o que Viola aceitava nele e aquilo que não aceitava. Por vezes, bastava um pequeno nada, uma palavra ou um tom de voz dele para fazer nascer irritação na marquesa.
Cosimo, por exemplo, dizia:

- Com o João dos Bosques, li romances, muitos romances; com o cavaleiro-advogado estabeleci projectos hidráulicos....
- E comigo?
- Contigo amo. Como o podar, como a fruta...
Viola ficava silenciosa, imóvel. DE repente, Cosimo reoprava que se lhe tinha desencadeado a irritação: os olhos tinham-se-lhe tornado subitamente de gelo.

- Mas porquê? O que foi Viola? Que tens? O que foi que disse?
Ela estava muito dsitante, dir-se.-ia que nada vendo nem ouvindo, cem milhas distante dele, com o rosto impenetrável como se fosse talhado de mármore.
- Mas não, Viola, Por favor...Mas que foi? Porquê? Viola escuta...
Viola erguia-se, ágil, sem necessidade de ajuda, e começava a descer da árvore.

Cosimo ainda não compreendera aquilo que tivesse sido o seu erro, ainda não tivera tempo para pensar e tentar descobri-lo. E talvez até de facto preferisse não pensar nele, não compreender, a fim de melhor poder proclamar a sua inocência:
- Mas não, não compreendeste com certeza o que eu queria dizer...Viola, escuta-me...
Seguia-a até aos ramos mais baixos.
- Viola, não te vás embora assim...não...Viola...
Então ela falava, mas dirigindo-se ao cavalo, e não a ele.
Montava, dizia breves palavras, e partia.(...) A certo ponto, imprevisivelmente também, Viola, assim como fora tomada por uma súbita irritação, assim também se acalmava. De todas a loucuras de Cosimo, que pareciam nem seuqer a ter perturbado um pouco, uma delas, uma qualquer, era suficiente para a encher repentinamente de piedade e amor.
- Não, Cosimo, querido, espera por mim! - Saçtava da sela e precipitava-se a trepar um tronco. Do lato, os braços ja estendidos de Cosimo ajudavam-na a elevar-se.
Retomava o amor com fúria semelhente à que havia desencadeado a discussão. Na verdade, era tudo uma e a mesma coisa, mas Cosimo não compreendia nada.
- Porque me fazes sofrer assim?
- Porque te amo?

Desta feita, era ele quem se irritava:
- Não, não me amas, não pode ser verdade! Quem ama deseja a felicidade e repele a dor.

- Quem ama deseja apenas o amor, ainda que para tal seja necessário experimentar a dor.
- Então fazes-me sofrer de propósito?
- Sim, para ter a certeza que me amas.
A filosofia do barão recusava-se porém a ir mais longe.
- A dor é um estado de alma negativo.
- O amor é tudo.

- A dor deve ser combatida.
- ao amor nada se recusa.
- Certas coisas nunca as admitirei.
- Tens de admitir, inevitavelmente, uma vez que amas e que sofres.

Assim como os desesperos, clamorosos, eram também em Cosimo as explosões de alegria incontrolávél. Desde então, a sua felicidade atingia um ponto em que ele sentia necessidade de se afastar da amante e correr, saltando, gritando e proclamando as maravilhas da sua dama."

in O Barão Trepador, Italo Calvino

Titulo Original: Il Barone Rampante
Tradução: José Manuel falante
Tradução cedida por Editorial Teorema
Direitos reservados
ISBN:972-611-626-0
Dep. Legal: B.19.657-2000

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