Um qualquer domingo, num qualquer mês, dum qualquer ano de hoje em diante. Depois de um sono curto, cheio de sonhos incertos e entre cortados por momentos de vigília na escuridão, onde já não se tem posição na cama, se olha de quando em vez para a janela, à espera de vislumbrar a luz da aurora. Única luz que nos preenche, única que nos enche a mente e única coisa que está presente. Agora que tudo é passado. E a luz, assim que entra pela divisão onde se amontoam as nossas poucas posses, divisão essa à qual agora chamamos lar, e com a luz da madrugada, que nessa altura entra e tudo toma forma, que sentimos que é altura de acordar. Parando então de recordar, tomando contacto com a realidade, onde vemos que tudo o que temos, não está na mente, mas sim nessas quatro paredes que agora contém toda a nossa existência e a memória de toda uma vida esquecida. É nesse momento, tal como um enorme estalo na cara, ou um balde de água fria, que sabemos que isto é, e será definitivamente, toda a nossa existência. Sabemos então e independentemente de qualquer emoção, que é tempo de levantar. Mas nesse instante porém, em que prendemos os lencois e os cobertores e que em posição fetal nos deixamos ficar, aguardando talvez que aquela não seja esta rude cama, nem estas paredes desse estranho e bizarro lar, e talvez o cheiro que nos entra pelas narinas, não seja daquele quarto estéril e sem vida, mas seja então inalado aquele cheiro tão familiar, e que afinal, quando nos viramos, damos de caras com aquela que é, toda a nossa vida e aquela que é o nosso objectivo de acordar diariamente; Que só com um sorriso ou um único respirar e suspirar, faz com que esse dia mesmo antes de começar, já seja pleno, já possa mesmo acabar. E esse mesmo dia apesar de mesmo agora começar, possa já terminar! Pois tem tudo para nos realizar, e fazer vibrar! Não...
Mas não... Ao nos virarmos na cama, encontramo-nos a sós com uma parede branca. Sem qualquer cheiro. E tudo vazio e inócuo. E aliado à vontade de sair da cama só nos vem a vontade de hibernar e nunca mais acordar. Abrimos então os olhos e olhando à volta está tudo despido de vida; objectos sem valor; formas sem cor; com conteúdos sem qualquer calor; e saímos dali sem qualquer torpor. Procuramos num qualquer gesto que façamos uma memoria duma rotina passada,e em qualquer passo uma qualquer emoção guardada, numa qualquer acção realizada,a esperança de reencontrar nem que seja um segundo, ou um instante ou uma fragrância daquela que foi a nossa paixão idealizada... Não! Mas não....Mais uma vez não...O nada. O vazio e o silêncio é tudo o que nos envolve e anima, e o breu é a única coisa que nos abraça. Sendo tudo branco, ou incolor, inodoro, lívido e a vida e toda a ideologia apóstata, sem sabor, sem sensação, sem calor e isento de emoção...
Saímos para a rua e no passeio sente-se o enorme frenesim das gentes que passam, e em qualquer outro dia isso seria a nossa energia, a nossa tremenda alegria, mas hoje, e onde outrora o sol de inverno e o azul do céu seriam prenuncio duma qualquer graça, hoje, é apenas um anuncio de mais um dia que passa.
Procuramos fazer um caminho rotineiro, que nos encha o ego e nos traga alento. Mas em cada virar de esquina vem-nos a lembrança, uma recordação, dum outro dia ou doutra manhã passada que agora não é mais que um pensamento.
Muda-se de direcção! De sentido! E mudamos de andamento e dos passos pequenos em que caminhamos, quase que corremos para um outro espaço,uma outra praça, outra esplanada e num qualquer outro café em que nos sentamos sozinhos, para tentar cair no esquecimento.
E assim se passa um dia, e mais um mês, um ano, e uma vida, até que nós próprios não sejamos também mais que uma recordação, sem qualquer lembrança e memória. E finalmente voltamos àquele quarto e àquelas paredes vazias que são, e serão, todo o nosso sentimento.
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