Pela noite, arrastava os seus males como correntes que a agarravam à sua ruindade, o peso era tanto que marcava o chão profundamente, faiscando à medida que prosseguia caminho. Dedicava-se a arrecadar dor, como quem amealha as suas poupanças, a cada dia que passava, era maior o seu espólio. Possuía a avidez necessária para não deixar escapar nenhuma emoção maléfica. Reunia em si todo o egoísmo, a soma de toda a gula, de toda a indecência, o conjunto de toda a inveja universal. Absorvia a luz e energia que brotavam de qualquer ser vivo, retirando-lhes os sucos vitais, e secando-os, não ficando mais que um ente mumificado, sem vida, petrificado, jazendo estático no chão,sem qualquer essência.
Ao olhar uma criança que sorria, transferia para si toda a sua vitalidade, a criança tornava-se num vegetal, sem brilho nos olhos, incapaz de comunicar com o exterior, autista. Os restantes seres humanos catatónicos em decomposição.Os animais caiam como pedras de granizo, e partiam-se em mil pedaços como se fossem constituídos de vidro. As Plantas ao serem tocadas desfaziam-se em pó. No seu lar, tudo jazia, um cheiro acre a morte. O chão de cinzas, as paredes negras, o tecto de madeira fossilizada, sem cor, sem vida, ao seu redor a putrefacção. Procurava o riso, a alegria, a paixão e o amor na vizinhança, e apenas por pensamento, transmutava esses sentimentos em pesar, lamentos, ódio e dor. A cidade onde vivia, era das mais produtivas, e com a sua chegada, passou a ser habitada por fantasmas, espectros que se arrastavam e urravam em agonia, a industria estagnou, o comércio definhou, escritórios em falência, edifícios em total abandono, a economia em recessão. Já nada lhe restava para absorver, os seus tentáculos esticavam-se agora para os arredores suburbanos, tendo o mesmo fim que o restante, Não satisfeita com isto, estendeu o seu poder a toda a nação, transformando tudo em pó e cinzas, os edifícios desfaziam-se e tudo desabava, nenhuma estrutura de pé, uma paisagem desoladora de destruição e escombros, como num holocausto nuclear, nem um ser vivo, e o próprio ar era irrespirável, isento de oxigénio, um cheiro a enxofre exalava de todo o lado, o sol tapado por uma neblina contínua onde já não se distinguia o dia da noite. Qualquer tentativa que a natureza fazia para despontar era desfeita logo ao início.
Este Monstro enfim descansava, depois duma vida a alimentar-se de emoções e sentimentos. Conseguiu terminar com a vida, com o movimento, com a energia. Hibernava no seu longo Inverno nuclear, sorrindo e contando as almas armazenadas.
Vivia em Paço de arcos.
Chamava-se Silvina e é a nossa Senhoria.
(continua...)
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