sexta-feira, 19 de outubro de 2007
O que verão de São Martinho
São Martinho saiu de madrugada, tinha de chegar cedo ao mercado. O metro ainda não tinha aberto, apanhou o eléctrico até ao Cais do Sodré. Antes tinha de ir ao Multibanco, toma o pequeno almoço junto ao tejo, um chá de tília e meia torrada, andava nervoso com os negócios, a competição cada vez mais feroz, e os preços nada apetecíveis. Antes de entrar no mercado da ribeira, fuma um cigarro e toma uma bica com um bagaço no largo de São Paulo, conversa um pouco, os tempos estão mudados é certo, e já nada era como dantes. Despede-se e agradece a companhia. Os comerciantes já andam num rebuliço, dirige-se à banca do Sr. Manel, " Seja bem aparecido" diz este, " há que tempos que não o via! Não se preocupe que para o Sr. há sempre! tenho aqui guardado! oh pra isto!? maravilha não! vai o mesmo de sempre? Ora aqui tem, até pro ano!". "E traga o verão, ha ha ha!" graceja. Martinho sai carregado, pensa em ir a pé pela rua do alecrim, mas desiste da ideia, tem que se despachar, entra na Gare do metro, já é hora de ponta, um mar de gente para entrar com ele, apressa-se a ir para as portas da dianteira para guardar lugar. chega ao Rossio e saí, o seu carrito já se encontra junto à fonte. Traz consigo as acendalhas e as brasas. Ateia o fogo, o fumo com cheiro a carvão sai pela pequena chaminé. Apregoa por elas " Quentes e boas!É a 3, uma dúzia!" A praça cheia de gente que passa, ignoram o chamamento. Debaixo da capa tira o garrafão, enche a caneca e bebe tudo dum gole. O vasilhame cheio arrefece, come-as sincopadamente, saca da caneca novamente, a visão fica turva, a voz rouca e trémula. Apregoa novamente, aparece um primeiro cliente, leva 2 duzias, chega outro e outro! O saco esvazia-se. O garrafão quase. Enche-se com um sorriso. Já tem o dia feito, coloca a ultima fornada, que rápidamente entrega a outro freguês. Por hoje já chega, conta os trocados e dirige-se à caixa, com as notas no bolso, senta-se no Nicola e pede outra bica e mais um bagaço. Acende um cigarro. Aproxima-se dele alguém que pede esmola e tem frio. Martinho torce o nariz mas é incapaz de dizer que não. Abre a carteira e dá-lhe uma nota de 50. Levanta-se, rasga a sua capa e divide-a com o pedinte. Despede-se e entra no 12. Chega à meia-laranja pelo meio-dia, orienta-se de duas quartas e dilui-se na multidão. Amanhã há mais.
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