João Cruz Oeiras de Portugal adesão a portal.membros@spautores.pt

Nome

Email *

Mensagem *

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O homem do bosque





Nasceu num orfanato ou coisa parecida. Sem pai ou mãe, sem família nem lar. No meio de centenas de crianças sem nome. Apenas numeradas. Como surgiu ali nunca se soube. Vivia em silêncio, escutando o berrar contínuo de todos. Era o que menos chorava e o que mais dormia. Pelo menos é o que dizem. E pouco disseram, talvez porque nada soubessem. O único afecto que conhecia era facultado pela Ama que lhe mudava a fralda. Enquanto o fazia, sorria e falava coisas, embora nunca tenha percebido o quê. Não apreciava aquele ritual, e aborrecia-se. O único momento em que se alegrava era quando lhe davam o leite, que sorvia como se não houvesse amanhã! Odiava quando tiravam a tetina da boca. Ficava sempre a sugar em seco, exigindo mais com os olhos e esbracejando freneticamente. Sempre achou que fazia de propósito e nunca deixava beber o suficiente. Cresceu e deixou aquela sala rude e branca de luz pálida. Dava os primeiros passos e os primeiros vocábulos, nunca conseguiu articular uma frase. Decidiu portanto manter-se calado. Os anos passaram, a sua existência resumia-se a levantar-se de madrugada, comer o pão e a sopa naquele refeitório sempre igual, com as mesmas monitoras, a passarem revista às mesas, obrigando todos a comer, e em seguida a envia-los para um pátio interior com chão de granito, onde passavam o resto do dia, e deixados à sua sorte. Uns jogavam as corridas, outros à malha, as escondidas, Etc. Deixava-se ficar a um canto, esperando o jantar e a hora em que chegava um professor de fora que ensinava esgrima, a manejar um arco e flecha e outras actividades, quase como se fosse um treino militar e com uma rígida disciplina, onde quem desobedecesse era açoitado, e castigado sendo colocado no quarto escuro. Uma pequena divisão na cave, sem luz, com uma pequena janela gradeada no tecto, por onde de vez em quando escorriam os esgotos. Pela sua vontade passava ali o tempo, preferia a solidão e evitava ter de estar com as outras crianças e ter de interagir com os monitores. Tornava-se uma criança robusta. Na escola fazia os exercícios como os outros mas nunca o chamavam ao quadro ou pediam qualquer tipo de participação. A escola era interna e nunca saiam daqueles muros altos e cinzentos de cimento bolorento. Lá dentro havia uma mata com pinheiros, era enorme e tinha uma fauna variada, alguns professores, ao domingos, caçavam perdizes e coelhos. Estava sempre desatento das aulas, havia uma sala que tinha vista para a copa das árvores e para o seu balançar com a brisa, era para lá que canalizava toda a sua atenção.
As noites sempre iguais. Havia a chamada pelos números e era encaminhado para o dormitório. Costumava observar todos os movimentos das contínuas que controlavam as camas. Aproveitou uma zaragata, tirando a atenção e causando a distracção do pessoal para escapulir-se antes de ver a sua porta fechada. Correu pelos corredores até à entrada. Daí um pulo até à mata. Suspirou de alívio. Tinha a noite para ele. Despiu a farda, partiu o crachá com o seu número. Voou para o muro. Olhou-o. Alto. Muito alto. Precisava de um tronco ou duma árvore perto para o transpor. Desiste e explora antes o bosque que sabe agora ser bem maior que imaginava. Do outro lado do muro a floresta continua interminávelmente. Descobre nuna pequena ravina uma saliência entre as rochas que lhe serve de esconderijo. Acha o sítio ideal... Acorda com uma azáfama cá fora, vários funcionários procuram-no. Deixa-se ficar até ao anoitecer novamente. A fome aperta, a escuridão e o silêncio inundam o local, avança até ao edifício, entra pela cozinha, tira vegetais, carne, e alguma fruta e chocolates. Precisa de ferramentas, retira uma faca e um machado da dispensa. Abandona o local não deixando rasto. Com ramos e folhas secas compõe o seu abrigo, quem olhe não diz que há ali um ser humano escondido. Os dias passam, parece que se esqueceram dele ou então dão-no como fugitivo. Vive da terra e dos animais que apanha.Aos domingos, no dia da caça, dedica-se a fazer armadilhas e apanha os cães, únicos que podiam denuncia-lo. Convencem-se que existem lobos ou talvez um urso na mata. Os cães aparecem mortos, com rasgos de dentição no pescoço.

Torna-se um homem do bosque os anos passam e não se dedica só à caça dos cães. Elimina todos os que passam por lá. Fala-se que a instituição está assombrada, e quem lá entra nunca mais sai. Fala-se da lenda dum demónio que lá vive. Cria-se o mito da existência dum lobisomem - Pelo menos é o que dizem! O sítio é largado e abandonado, a mata avança pelas construções, os edificios desaparecem no meio da vegetação. Está só, pela primeira vez é dono e senhor de algo. Pela primeira vez sente-se livre, a alegria invade-o e Sorri!




3 comentários:

Porcelain disse...

Ouve... ler o que escreves é como ler Dan Brown, caramba... está-se sempre a pensar o quê disto será verdade, o quê disto serás tu que inventas e sendo tu que inventas, onde vais tu buscar as coisas que vais buscar ihihih!!! Mas olha, esgrima? Arco e flecha? Caramba, nem tudo podia ser mau, não?? eheheh!!

Olha, afinal os lobisomens são como eu também não conseguiam prestar atenção às aulas ahahahah!!

Porcelain disse...

Ou, a bem da verdade, os que criam mitos acerca de lobisomens... porque é que neste blog a linha entre o real e o imaginário é tão ténue que está constantemente a ser transposta sem que sequer nos apercebamos que o fizémos??

:-))

Porcelain disse...

Aaahhh... e... opá, opá, coitadinhões dos cãezitos, dessa parte não gostei!!

Eheheheh!!