A mãe sempre o achou estranho. O olhar vazio, o comportamento autista, as alterações explosivas de humor e a ausência de amor, faziam dele um temível discípulo na escola de recuperação de crianças vítimas de desvios sensoriais. Lomek de seu nome, criou um universo paralelo: espaço e tempo fundiam-se, deslocava-se nele como quem desliza numa pista de gelo. Transformava pensamentos e sensações de terceiros em paisagens transcendentes. Criava matéria a partir de uma ideia do vizinho, construía cenários físicos apenas com a carga emocional dos restantes membros da família. Alimentava-se de instantes emocionais dos que o rodeavam. Sorvia-lhes a sapiência, usava-lhes a consciência. Armazenava todos os estados emocionais do bairro.Um dia e à mesa, durante a ceia, ao acabar as tostas de queijo, foi avisado de que era horas de dormir, via TV, passavam a colecção outono-inverno de um estilista búlgaro de renome internacional. Não satisfeita com a reacção do filho, e numa atitude de privação do seu entretém, fechou-o no quarto. Lomek pensou no bairro:
Sacou das mentes a energia das gentes locais.
Apagou a memória, extinguiu a recordação e destruiu os laços afectivos. Apoderou-se de tudo e recriou a seu bel-prazer.
Aa rua não tinha sentido, os passeios não levavam a lado nenhum, as árvores estéreis, os vizinhos e familiares estancavam estáticos, isentos de vida, em suspensão. Acabou tudo em poucos segundos, a vida extinguiu-se, os corpos pulverizados.
Aa rua não tinha sentido, os passeios não levavam a lado nenhum, as árvores estéreis, os vizinhos e familiares estancavam estáticos, isentos de vida, em suspensão. Acabou tudo em poucos segundos, a vida extinguiu-se, os corpos pulverizados.
Saiu à rua e ninguém. Construiu um circo de pulgas, todos como marionetas, manejava os seres, eliminava a vida. Como um estilista coseu uma nova vida no bairro, uma outra dimensão. A dor e o sofrimento abarcava tudo e todos, inclusive o alcatrão e os calhaus da calçada. Consumiu o ADN, remisturou os cromossomas, como cromos, colava as vidas na sua caderneta, virou a página e fechou o livro contemplando a sua recente e nova obra-prima...
2 comentários:
Este texto está simplesmente maravilhoso. Maravilhoso mesmo. Lomek é um ganda maluko. Tal como disse lá no impressionantes impressões, gostei de conhecer Lomek!
:-))
É um artista português... com certeza! Obrigado
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