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05 março 2025

Navalha de Ockham

 


A NAVALHA DE OCKHAM: 

FUNÇÃO LÓGICA E CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO

WILLIAM SARAIVA BORGES 1

; SÉRGIO RICARDO STREFLING 2

1 Universidade Federal de Pelotas – saraiva.borges@gmail.com (autor)

2 Universidade Federal de Pelotas – srstrefling@gmail.com (orientador)

1. INTRODUÇÃO

Guilherme de Ockham (1284?-1347?) se tornou célebre na História da Filosofia pelo frequente e rigoroso uso do Princípio da Parcimônia (ou Princípio da Economia), o qual, em razão disso, passou a ser conhecido, simplesmente, como Navalha de Ockham. Tal princípio, com efeito, que na formulação do próprio venerabilis Inceptor se encontra em diversas passagens de sua Opera Philosophica et Theologica, consiste no axioma lógico-metodológico segundo o qual “a pluralidade não deve ser postulada sem necessidade” (pluralitas non est ponenda sine necessitate) ou, ainda, que “inutilmente se faz por mais o que se pode fazer por menos” (frusta fit per plura quod potest fieri per pauciora). Vejamosdois excertos extraídos do Comentário à Física de Aristóteles, nos quais,analisando essa obra aristotélica, Ockham apresenta de modo inequívoco qual seja seu entendimento acerca da função lógico-metodológica desse princípio:

Aqui o Filósofo conclui que é melhor postular princípios finitos, como fez Empédocles que postulou seis princípios, a saber, os quatro elementos e o litígio e a amizade, do que postular infinitos princípios, como postulou Anaxágoras; e isso porque, igualmente, todas as coisas podem ser salvas por finitos como [seriam salvas] por infinitos; e a pluralidade nunca deve ser postulada sem necessidade.

1 Inutilmente se faz por mais o que se pode fazer por menos; portanto, inutilmente se faz por infinitos o que se pode fazer por finitos; ora, todas as coisas que podem ser salvas por princípios infinitos, podem ser salvas por princípios finitos, como Empédocles que postulou princípios finitos [e assim] salvou todas as aparências e manifestações que Anaxágoras salvou por princípios infinitos.

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1 OCKHAM, Expositio in Libros Physicorum Aristotelis, livro I, cap. 11, § 9, in Opera Philosophica,

vol. IV, p. 118 (a tradução e os grifos são nossos). O Venerabilis Inceptor está comentando a seguinte passagem da Física de Aristóteles: “Mas nem sequer a geração de coisas homoformes Anaxágoras concebe corretamente. De certo modo, o barro se dissolve em barro, mas, de certo modo, não. De fato, não é o mesmo modo em cada respectivo caso: tal como os tijolos provêm da casa ou a casa provém dos tijolos, assim do mesmo modo a água e o ar seriam constituídos e proviriam um do outro. É melhor assumir um número menor e limitado de princípios, como faz Empédocles” (ARISTÓTELES, Física, livro I, cap. 4, 188a 17-18). A esse propósito, Lucas Angioni, tradutor dessa obra aristotélica, acrescenta este comentário: “Aristóteles recorre a um princípio de economia, retomado em 189a 15-16: deve-se encontrar o menor número possível de princípios.

Como diz Ross (Aristotle’s Physics, p. 487), trata-se de um ‘ancestral da Navalha de Ockham’,também presente em De Caelo 302b 26-30, sob inspiração matemática. O mesmo princípio está presente também na jocosa crítica à multiplicação ontológica perpetrada pela teoria platônica das Ideias, em Metafísica 990b 2-4” (ANGIONI, Comentários, in ARISTÓTELES, Física I e II, p. 123).

2. METODOLOGIA

Para a realização da presente pesquisa se utilizou uma metodologia de caráter bibliográfico, isto é, a leitura, a análise e a interpretação dos textos do próprio Guilherme de Ockham e de alguns de seus comentadores.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ainda que, consoante as citações ockhamianas acima transcritas, esteja patente que a Navalha da Ockham seja um princípio lógico-metodológico, asformulações que se propagaram na História da Filosofia a fazem parecer,

fundamentalmente, um princípio metafísico. É o que se pode depreender, por exemplo, da vulgarizada formulação desse axioma: “os entes (ou as essências) não devem ser multiplicados sem necessidade” (entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem ou essentia non sunt multiplicanda sine necessitate)

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.Com efeito, o caráter metafísico desse princípio só pode ser concebido como consequência de sua aplicação lógico-metodológica, pois é manifesto que a Navalha de Ockham, em diversos silogismos encontrados no Corpus Ockhamisticum, exerce a função da premissa maior (tal como nos exemplos extraídos do Comentário à Física de Aristóteles), da qual se seguem conclusões que, eventualmente, podem ser de ordem metafísica (como é o caso da posição assumida pelo Venerabilis Inceptor no que se refere à natureza dos universais, isto é, seu conhecido antirrealismo nominalista

 4 ; e também como ocorre na defesa da separação entre fé e razão, igualmente sustentada pelo Menorita Inglês

5). Portanto, enquanto princípio, a Navalha de Ockham é metodológica, já que pertence ao domínio da lógica; no entanto, quando aplicada, pode fundamentar corolários metafísicos.

6 Contudo, a maior parte das formulações do Princípio da Parcimônia (ou Economia), tal como encontradas ao longo das obras de Ockham, não incluem o estabelecimento explícito de critérios precisos do que seja, exatamente, postular sem necessidade e/ou necessidade de postular, mas apenas preceitua que não se deve postular desnecessariamente. Desse modo, poder-se-ia afirmar que a Navalha propõe uma economia arbitrária sem justificar por qual motivo se deveria é melhor explicá-los por princípios limitados do que por ilimitados – como Empédocles: de fato, ele julga ter explicado [por princípios limitados] tudo quanto Anaxágoras explicou por ilimitados” 

(ARISTÓTELES, Física, livro I, cap. 6, 189a 14-16). Ao que, igualmente, comenta o tradutor: “[...] essas sentenças enunciam certo ‘princípio de economia’: sendo possível explicar a totalidade dos entes por certo número limitado de princípios, é supérfluo introduzir princípios adicionais [...]” 

(ANGIONI, Comentários, in ARISTÓTELES, Física I e II, p. 134).

3 Conferir: GILSON, Etienne. A Filosofia da Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 798. E ainda: REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Volume 2: Patrística e Escolástica. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003, 

pp. 301-302.

4 Conferir: BORGES, William Saraiva; LEITE JUNIOR, Pedro. O antirrealismo nominalista de

Guilherme de Ockham a partir do “Comentário à Isagoge de Porfírio”. In: Thaumazein, Santa Maria, v. 8, n. 15, 2015, pp. 59-73.

5 Conferir: BORGES, William Saraiva; LEITE JUNIOR, Pedro. A relação entre fé e razão em Ockham. In: GELAIN, Itamar Luís; DE BONI, Luis Alberto (Orgs.). Fé e razão na Idade Média. Porto Alegre: Editora Fi, 2019, pp. 187-206.

6 Conferir: VIER, Raimundo. A “Navalha de Ockham”. In: GARCIA, Antônio (Org.). Estudos de 

Filosofia Medieval. Petrópolis: Vozes; São Paulo: USF, 1997, pp. 121-134. 2 OCKHAM, Expositio in Libros Physicorum Aristotelis, livro I, cap. 13, § 4, in Opera Philosophica,

vol. IV, pp. 133-134 (a tradução e os grifos são nossos). Dessa vez, o Menorita Inglês está comentado este outro trecho da Física: “[...] é possível explicar os entes por princípios limitados, eser, efetivamente, parcimonioso na argumentação e na elaboração de teorias filosóficas e/ou científicas. Todavia, é no Tractatus de Principiis Theologiae (possível reportatio de algum discípulo de Ockham) e no De Corpore Christi que se localiza o elenco pontual de quais sejam esses critérios. Eis os excertos: A pluralidade nunca deve ser postulada sem [que haja] necessidade de postulá-la. Expõe, no entanto, o que chama necessidade de postular e diz que é a razão ou a experiência ou a autoridade da Escritura, a qual contradizer não é lícito, e a autoridade da Igreja. Ora,esse é um princípio razoável, porque sem ele seria permitido multiplicar as coisas arbitrariamente [...].

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Inutilmente se faz por mais o que se pode fazer por menos. Ora,esse é um princípio que não se deve negar, porque nenhuma pluralidade deve ser postulada senão pela razão ou pela experiência ou pela autoridade daquele que não pode falhar, nem errar, nem confundir.

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Ora, é inútil fazer por mais o que se pode fazer por menos, isto é, não se deve postular a pluralidade desnecessariamente, ou seja, nunca se deve postulá-la exceto quando houver necessidade. Pois bem, quando que há necessidade de postular a pluralidade não sendo inútil fazer com mais o que se faria com menos?Quando a razão, ou a experiência, ou as Escrituras e/ou a Igreja o obrigarem(conforme é ilustrado, esquematicamente, no gráfico abaixo).

Critérios para aplicação da Navalha de Ockham

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Navalha de Ockham, é importante salientar, não preceitua que sempre e em todos os casos se deva, absolutamente, fazer por menos ou jamais postular elementos adicionais; se assim fosse, com acerto, mereceria ser chamada de Princípio de Simploriedade e não Princípio da Simplicidade (como também pode ser denominada). O Princípio da Parcimônia ou da Economia, ao invés disso,sustenta que sendo possível explicar algum fenômeno qualquer recorrendo a umnúmero menor ou limitado de elementos e/ou conceitos, é assim que se deve proceder; ser parcimonioso ou econômico é não complexificar sem necessidade,não teorizar inutilmente. No entanto, quando a razão natural, ou a experiência evidente e/ou a autoridade infalível das Escrituras Sagradas ou do Magistério Eclesial exigirem como necessário que se postule a pluralidade, então se deverá postulá-la, pois nesse caso não será inútil fazer por mais o que se poderia fazer por menos, simplesmente porque seria impossível, nessa situação, fazê-lo com menos (quer dizer, aí é necessário fazer com mais). Em suma, é à razão, à experiência e à autoridade (bíblica ou magisterial) – e nessa ordem hierárquica, cabe frisar – que compete determinar se algo pode ser considerado desnecessário ou não.

7 OCKHAM, Tractatus de Principiis Theologiae, in Opera Philosophica, vol. VI, p. 607 (a tradução e os grifos são nossos).

8 OCKHAM, De Corpore Christi, cap. 29, in Opera Theologica, vol. X, pp. 157-158 (a tradução e os grifos são nossos). 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGIONI, Lucas. Comentários. In: ARISTÓTELES. Física I e II. Campinas:

Unicamp, 2009, pp. 65-406.

ARISTÓTELES. Física I e II. Prefácio, introdução, tradução e comentários de

Lucas Angioni. Campinas: Unicamp, 2009.

BORGES, William Saraiva; LEITE JUNIOR, Pedro. A relação entre fé e razão em

Ockham. In: GELAIN, Itamar Luís; DE BONI, Luis Alberto (Orgs.). Fé e razão na

Idade Média. Porto Alegre: Editora Fi, 2019, pp. 187-206.

BORGES, William Saraiva; LEITE JUNIOR, Pedro. O antirrealismo nominalista de

Guilherme de Ockham a partir do “Comentário à Isagoge de Porfírio”. In:

Thaumazein, Santa Maria, v. 8, n. 15, 2015, pp. 59-73.

GILSON, Etienne. A Filosofia da Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão.

São Paulo: Martins Fontes, 1995.

OCKHAM, Guillelmus de. Expositio in Libros Physicorum Aristotelis. In: Opera

Philosophica. Volumina IV et V. New York: St. Bonaventure University, 1985.

OCKHAM, Guillelmus de. Tractatus de Corpore Christi. In: Opera Theologica.

Volumen X. New York: St. Bonaventure University, 1986.

OCKHAM, Guillelmus de. Tractatus de Principiis Theologiae. In: Opera

Philosophica. Volumen VII. New York: St. Bonaventure University, 1988.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Volume 2: Patrística e

Escolástica. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

ROSS, William David. Aristotle’s Physics: a revised text with introduction and

commentary. Oxford: Clarendon Press, 1936.

VIER, Raimundo. A “Navalha de Ockham”. In: GARCIA, Antônio (Org.). Estudos

de Filosofia Medieval. Petrópolis: Vozes; São Paulo: USF, 1997, pp. 121-134.

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